“Jerusalém foi destruída porque as crianças deixaram de freqüentar as escolas” (Talmud Shabat 119a)
A grande importância atribuída à educação na Lei Judaica e literatura não encontra paralelos. A Torá claramente indica a importância do estudo e crescimento mental desde o berço e por toda a vida. O propósito da educação sob a perspectiva bíblica é desenvolver indivíduos que tenham a capacidade de refletir sobre os valores éticos e morais contidos na Torá e, conseqüentemente, aplicá-los em seu cotidiano.
Educação é, antes de mais nada, uma obrigação dos pais, como está escrito: “E as inculcarás” – as palavras do Eterno – “a teus filhos e delas falarás, sentado em tua casa, andando pelo caminho e ao deitar-te a ao levantar-te”(Deuteronômio 6:7). Quatro vezes ao dia recitamos esta passagem, que compõe o primeiro parágrafo do hino à unicidade Divina – o Shemá Israel.
No escopo da Lei Judaica, a educação é chamada de chinuch, ou seja, um desenvolvimento intelectual baseado nos valores judaicos. A palavra chinuch também significa inauguração; ou seja, “inauguramos” uma nova vida, permeando-a de conteúdo sólido e consistente. Este tema aparece com freqüência na Torá e Profetas. Com relação a Abrãao, encontramos a seguinte passagem: “Porque o conheci e sei que ordenará a seus filhos e à sua casa depois dele de modo que guardem o caminho do Eterno, para fazer caridade e justiça” (Gênesis 18:19).
Basicamente, o judaísmo reconhece o lar como o fundamento educacional para o desenvolvimento moral da criança. É conhecido o fato de que “o que a criança diz na rua, é o que ouviu em casa de seu pai e sua mãe” (Talmud Sucá 53 – Rashi). Em outras palavras, a criança tende a imitar seus pais, extraindo de sua conduta exemplos para si mesma. Este é o primeiro e mais essencial cuidado na criação dos menores: o educador precisa ser o exemplo vivo daquilo que ensina, uma vez que a criança se identifica com ele. Exigir um comportamento não condizente com as atitudes do educador e/ou realidade familiar da criança (por exemplo: ensinar a obrigação do acendimento das velas do Shabat, porém a mãe não o faz em casa) é confundir ainda mais aquela cabeça ávida por novas descobertas. Num primeiro momento, tal confusão poderá ser contornada. Porém, dúvidas não esclarecidas podem acabar resultando em revoltas contra todo o processo. Uma pequena história reflete bem este problema:
Johnny tinha seis anos de idade e estava em companhia de seu pai quando este foi flagrado em excesso de velocidade. O pai entregou ao guarda, junto à sua carteira e habilitação, uma nota de vinte dólares. “Está tudo bem, filho “- disse ele. “Todo mundo faz isso”.
Quando tinha oito anos, deixaram que ele assistisse a uma reunião de família dirigida pelo tio George, sobre a maneira mais segura de sonegar o Imposto e Renda. “Está tudo bem, garoto”- disse o tio. “Todo mundo faz isso”.
Aos nove anos, a mãe levou-o pela primeira vez ao teatro. O bilheteiro não conseguiu arranjar lugares até que a mãe do Johnny lhe deu “por fora” cinco dólares. “Está tudo bem, meu filho. Todo mundo faz isso”.
Com dez anos, ele quebrou os óculos à caminho da escola. A tia Francine convenceu a companhia de seguro de que eles haviam sido roubados e recebeu uma indenização de 75 dólares. “Está tudo bem, querido sobrinho. Todo mundo faz isso”.
Aos quinze anos, foi escolhido para jogar como lateral direito no time de futebol da escola. Os treinadores lhe ensinaram como interceptar e, ao mesmo tempo, agarrar o adversário sem ser visto pelo juiz. “Está tudo bem, campeão. Todo mundo faz isso.”
Aos dezesseis anos, arranjou seu primeiro emprego nas férias de verão, trabalhando num supermercado. Seu trabalho: pôr morangos maduros demais no fundo das caixas e os bons em cima, para ludibriar o freguês. “Tudo bem, garoto.”- disse o gerente – “Todo mundo faz isso”.
Já com dezoito anos, Johnny e um vizinho candidataram-se a uma bolsa de estudos. Johnny era um estudante medíocre. O vizinho, pelo contrário, era um dos primeiros da classe, mas um fracasso como lateral direito no time de futebol. Johnny ganhou a bolsa. “Está tudo bem, filho.” – disseram os pais - “Todo mundo faz isso.”
Quando tinha dezenove anos, um colega mais adiantado lhe ofereceu, por cinqüenta dólares, as questões que iam cair numa prova. “Tudo bem, colega. Todo mundo faz isso.”
Johnny, flagrado colando, foi expulso da sala e voltou para casa com o rabo entre as pernas. “Como foi que você pôde fazer isso com sua mãe e comigo?” – disse o enfurecido pai. “Você nunca aprendeu essas coisas em casa!” O tio e a tia também ficaram chocados.
Se há uma coisa que o mundo adulto não pode tolerar é um garoto que cola nos exames...
É justamente no fazer ou deixar de fazer que reside a base da formação do indivíduo; o jovem assume como correto o que seus educadores (pais e/ou mestres) fazem. Porém, cabe a estes a responsabilidade pela qualidade dos exemplos a serem passados. No caso dos pais, a educação pelo exemplo deve começar desde cedo, como conta a seguinte anedota:
Certa vez uma jovem mãe foi pedir um conselho a um sábio sobre quando começar a educação de seu primeiro filho. “Qual é a idade da criança”- perguntou o sábio. “Ela só tem alguns dias” – respondeu a mãe. E concluiu o sábio: “Então a senhora está nove meses atrasada!”
Nossos sábios foram além, afirmando que a educação deva começar tão logo a criança aprenda a falar (Talmud Sucá 42a), pois o perigo de seu adiamento reside na possibilidade de nunca vir a se concretizar.
Ao mesmo tempo, a família é, segundo a Torá, o mais importante pilar desta instituição. É a união, convivência e, principalmente, prática familiares que solidificam a formação do educando. Famílias desestruturadas geram filhos desestruturados, sendo que tanto o pai quanto a mãe são igualmente responsáveis por ensinar ao filho os valores judaicos para que ele mesmo possa se desenvolver como um bom judeu, como está dito: “Educa o pequeno conforme seu caminho, pois, por mais que envelheça, não se desviará dele” (Provérbios 22:6). São eles os responsáveis pela formação do caráter da criança; uma vez consolidado, o terá como suporte por toda sua existência.
Neste contexto, a palavra chinuch pode parecer um tanto vaga. Sabemos que os pais são os responsáveis pela educação da criança. Mas, de acordo com nossos sábios, como se dá isso? “O pai tem para com seu filho as obrigações de circuncidá-lo, redimi-lo, ensinar-lhe a Torá, casá-lo e ensinar-lhe um ofício. E há quem diga: ensinar-lhe a nadar. Rabi Iehudá diz: todo aquele que não ensina a seu filho um ofício ensina-o a roubar” (Talmud Kidushin 29a). Nadar significa aprender a se defender. Assim como um nadador depende unicamente de sua habilidade, assim também o educando necessita conhecer seus potenciais, a fim de que possa sobreviver independentemente. Não obstante, a Torá reconhece, na mãe, um maior potencial educacional, uma vez que o vínculo se dá muito antes do nascimento, sendo que, tradicionalmente, chinuch encontra-se no conjunto de mitzvot específicas da mulher. De qualquer forma, ambos são responsáveis.
Num plano mais genérico, a comunidade também exerce seu papel fundamental. Desde os tempos de Moisés – que reunia multidões para propagar a palavra de D-us – a educação é uma missão comunitária. No Talmud, os pequenos alunos são chamados de tinokot shel beit raban – os bebês de seus mestres – ressaltando o caráter vital, íntimo e pessoal que a educação exercia e ainda exerce em nossa sociedade. Vale ressaltar que, na Idade Média, em épocas e lugares nos quais a educação infantil era simplesmente ignorada, as comunidades judaicas sempre tiveram vivas suas escolas. Mesmo no paupérrimo shtetl, sempre houve um meio de educar as crianças – o cheder. Cheder – nome até hoje utilizado para as escolas infantis ortodoxas – significa “quarto”. Mesmo na mais miserável das comunidades, nunca deixou de existir um pequeno e insalubre quarto, muitas vezes contendo apenas uma mesa, uma cadeira e uma vela, mas no qual a tradição e histórias judaicas eram passadas de geração em geração. Na História Judaica mais recente, a primeira missão do imigrantes ao desembarcarem nas Américas foi criar escolas judaicas, nas quais seus filhos pudessem manter acesa a chama do judaísmo.
Cabe citar trechos do artigo “O segredo da riqueza dos judeus”, de Gilberto Dimenstein, publicado na Folha de São Paulo de 26/01/97:
Desde seu lançamento, em 1901, o Prêmio Nobel foi conferido a 700 personalidades – 140 deles judeus. É uma estatística que impressiona: os judeus são, hoje, uma grupo de 16 milhões, num planeta habitado por quase 6 bilhões de pessoas. Mas são responsáveis por boa parte das grandes novidades científicas do século.
Um livro prestes a ser divulgado no reino Unido, preparado por um advogado de Nova York – Michael Shapiro – vai atiçar ainda mais a mística sobre uma suposta inteligência superior dos judeus. Depois de fazer pesquisa com filósofos, rabinos, escritores e cientistas, Shapiro produziu a lista dos cem mais importantes judeus. Estão alguns dos maiores pensadores e criadores da humanidade. Moldaram o que pensamos e até como nos vestimos. Existe algum segredo? (...) Como um povo tão pequeno consegue gerar tantos super-homens intelectuais? O segredo é que não existe segredo.
Por motivos religiosos, o analfabetismo é inexistente entre os judeus. Aos 13 anos, o menino é obrigado a subir ao púlpito e ler trecho do livro sagrado (Bar-Mitzvá). Portanto, ele deve saber pelo menos uma língua. Os judeus são ensinados a reverenciar a rebeldia intelectual – rebeldia sintetizada em Abrãao, ao destruir os deuses e inaugurar o monoteísmo. Nada mais é do que os educadores chamam de ensino crítico; contestar sempre as verdades estabelecidas, princípio básico da pedagogia moderna. (...)
Nenhum povo foi tão perseguido e humilhado por tanto tempo como os judeus, o que gerou uma série de efeitos colaterais. Um deles é o valor da educação para a sobrevivência. Podem arrancar suas terras, propriedades, mas não o que está em suas cabeças.(...) Não há nenhum segredo dos judeus escondido na genética ou escolha divina. Só o óbvio: culto à educação.
Chinuch é uma meta a ser atingida por todos nós. Mas, para isso, é importante que as três vértices do triângulo ( FAMÍLIA/ COMUNIDADE/ CONGREGAÇÃO e ESCOLA) trabalhem em conjunto, propiciando uma educação de base e, ao mesmo tempo, mecanismos para que as teorias possam ser aplicadas na prática.
Rabi Tarfon e os anciãos estavam reunidos quando uma questão se apresentou diante deles. “ Qual é maior: o estudo ou a prática?” Rabi Tarfon respondeu: “A prática é maior”. Rabi Akiva replicou: “o estudo é maior, sempre que levado à prática”. E os anciãos, em uníssono, disseram: “o estudo é maior, sempre que levado à prática.” (Talmud Kidushin 40b)
Questões para reflexão:
1) O que é chinuch para você?
2) Como você aplica este conceito na sua família?
3) Reflita sobre a frase: “Educação sem visão é como presente sem futuro” (P. Shifman). Agora, responda: o que pode ser feito para melhorar o chinuch em sua comunidade?
Prof. Sami Goldstein
Rabino da Comunidade Israelita do Paraná