“Sobre três pilares o mundo se sustenta: a Lei, o trabalho e atos de bondade”
(Ética dos Pais 1,2)
Chassadim é o plural de chessed. Guemilut é a prática, o ato. Em outras palavras, a prática de vários “chessed’s”. Mas o que vem a ser chessed?
Freqüentemente encontramos, nas traduções da Torá, as palavras piedade ou misericórdia. Porém, qualquer tradução interfere no conceito original, modificando-o. Chessed é chessed, não há o que discutir. Cabe citar Aron Barth:
Maimônides entendeu o termo muito bem e explicou que chessed leva mesmo ao “excesso”, especialmente de fazer o bem a alguém que não tem o direito de recebê-lo (Guia dos Perplexos 3, 53). Qual é a qualidade que leva a isso? É a misericórdia? Não; isso exprime muito menos do que o que se encontra nos numerosos versículos que citaremos. Piedade, assim como misericórdia, podem ser, em certos casos, o resultado de chessed, o resultado do sentimento expresso na palavra; mas chessed mesmo é mais do que isso. Chessed significa amor. Não é o amor entre noiva e noivo, pais e filhos; isto, em geral, é indicado pela palavra ahava. (...)
É importante entender que quando Maimônides diz “não tem direito” não significa “não merece”. O que o sábio quis dizer é “fazer bem a uma pessoa que não fez nada para merecê-lo”. Ou seja, nada de recompensas ou méritos. Apenas o bem por si só. Tal amor pode ser melhor entendido através da explicação do próprio Maimônides sobre o versículo “... e amarás a teu semelhante como a ti mesmo” (Levítico 19:18):
É o preceito com o qual fomos ordenados a amarmo-nos mutuamente tal qual nos amamos; que meu amor e compaixão por meu semelhante seja como meu amor e compaixão próprios; seja por seu dinheiro, seu corpo, tudo que possui ou deseja. Tudo o que quero para mim, hei de querer para ele identicamente e tudo o que não quiser nem para meus amigos, o mesmo desejarei para ele. (Sefer Hamitzvot 206)
Note que Maimônides não estipula quem é o semelhante ou qual seu grau de proximidade para conosco. Tal amor, portanto, é incondicional. Amor pelo simples motivo de amar.
Porém, surge outra questão: como expressar tal amor? Maimônides dá a resposta:
São preceitos positivos, ensinados por nossos sábios: visitar um enfermo, consolar os enlutados, ajudar uma jovem humilde a casar-se, acompanhar as visitas, ocupar-se com todas as necessidades de um funeral, bem como alegrar os noivos no dia de seu casamento. Estes são atos de Chessed que se deve executar em pessoa e que não tem limitações. (Mishnê Torá, Leis do Enlutado 14,1)
No caso de um funeral, tal amor é considerado chessed shel emet, o verdadeiro chessed, uma vez que, por mais que esperemos, será impossível uma retribuição.
Uma importante ressalva precisa ser feita, para não confundir termos. Vimos sobre a Tsedaká, que é a prática da justiça social. Podemos confundir-nos, acreditando que tanto ela como Guemilut Chassadim implicam numa mesma conduta:
Ensinam nossos mestres: Guemilut Chassadim é superior à Tsedaká de três modos:
1) Tsedaká envolve apenas dinheiro. Guemilut Chassadim pode envolver tanto dinheiro quanto a pessoa;
2) Tsedaká pode ser dada apenas ao pobres. Guemilut Chassadim pode ser feito a pobres e ricos;
3) Tsedaká pode ser dada apenas aos vivos. Guemilut Chassadim pode ser feito a vivos ou mortos. (Talmud Sucá 49b)
Vários exemplos de Guemilut Chassadim podem ser encontrados em nossa literatura. A Torá começa e termina com Guemilut Chassadim, por exemplo. Em Gênesis 3:21 lemos que Deus, antes de expulsar Adão e Eva do Jardim do Éden, “fez roupas de pele para eles e os cobriu”. Já no final, tratando da morte de Moisés, o Todo-Poderoso o enterrou no vale (Deuteronômio 34:7).
Atualmente, encontramos Guemilut Chassadim sob várias formas: ocupar-se com um funeral - costurando os tachrichin (mortalha) ou apenas acompanhando-o -, costurando roupas para pobres, visitar doentes, consolar enlutados, emprestar dinheiro, ajudar nos preparativos de um casamento, etc. Com relação a este último, nossas comunidades irmãs ortodoxas costumam ter um departamento especializado, chamado Hachnassat Calá – “ajudar uma noiva a ‘entrar’”. Elas também costumam ter um departamento exclusivo para a difusão e prática de Guemilut Chassadim, chamado
GUEMACH
que são as inicias de Guemilut Chassadim. Neste contexto, o voluntariado é imprescindível para o cumprimento desta importante Mitzvá. É na figura do voluntário – askan, em hebraico - que é sintetizada toda a essência deste preceito.
Para melhor entendermos a conexão e as diferenças entre Tsedaká e Guemilut Chassadim, basta refletirmos sobre a seguinte história:
Rabi Levi Itschak, rabino-chefe da cidade de Berditchev, havia feito um acordo com os líderes comunitários de que só interromperia seus sagrados estudos caso surgisse alguma novidade. Certa vez, ele foi chamado. Um acirrada discussão tomava conta da sala de reuniões. O motivo: alguém havia tido a “grande” idéia de colocar uma caixa de caridade na porta da sinagoga. Havia, inclusive, uma explicação: os pobres não precisariam mais pedir de porta em porta. As pessoas poderiam doar de acordo com suas possibilidades e os pobres retirariam conforme suas necessidades.
Rabi Levi Itschak irritou-se: “Mas foi para isso que vocês me chamaram? Acaso não havíamos combinado de que só seria chamado em caso de novidade?
Os líderes não entenderam: “Mas, rabino. É uma nova idéia!”
“Não há nada de novo nisso.” – disse o mestre – “Na realidade, é uma idéia muito antiga. Os moradores de Sodoma e Gomorra já o faziam. Eles tinham uma caixa, na qual os ricos deixavam seus donativos, assim não precisavam olhar nos olhos dos pobres.”
Questões para reflexão:
1) O que você aprendeu com esta história?
2) Como podemos aplicar Guemilut Chassadim aqui em nossa vida?
3) Como aprimorar a participação do voluntariado em nossas atividades?
Prof. Sami Goldstein
Rabino da Comunidade Israelita do Paraná