Prof. Sami Goldstein
(Palestra proferida no simpósio Cem anos dos sonhos – PUC São Paulo) 25/05/99
É inegável a afirmação de que os sonhos vêm fascinando praticamente todas as culturas ao longo da História. Os antigos referiam-se aos sonhos com respeito e até mesmo temor, considerando-os portadores de importantes mensagens para suas vidas. Durante sua época áurea, os gregos construíram mais de trezentos templos em homenagem ao seu deus Asclepius. Fiéis viajavam por longas distâncias até estes templos e tomavam parte em rituais sagrados destinados a elucidar sua utilidade. No oriente, templos similares eram erguidos em locais calmos e serenos. Em nosso próprio continente, as tribos nativas da América do Norte consideravam-nos uma fonte de inspiração divina. Seus xamãs costumavam empreender uma profunda jornada rumo a lugares desérticos. Privando-se de comida, bebida e companhia, acreditavam poder induzir um sonho de poder ou sabedoria para que pudessem levá-lo de volta ao seu povo.
Com a Revolução Industrial, entretanto, este tipo de conhecimento intuitivo caiu no ostracismo. Basta lembrarmos que quando Freud começou a pesquisar a literatura médica de sua época em busca de informações sobre os sonhos, descobriu que praticamente nada havia sido escrito sobre este tema. Muitos de seus colegas viam este assunto como superstição, ao qual nenhuma séria atenção deveria ser dado. Quando em 1899 ele publicou seu “A interpretação dos sonhos”, foi agraciado com o adjetivo ridículo. Por vários anos, sua teoria de que os sonhos continham significados ocultos foi considerada como delírios de um homem insano e desprovido de qualquer pudor.
E é justamente neste século, que o significado atribuído aos sonhos e sua interpretação cresceram amplamente no mundo intelectual, principalmente no campo da psicologia, impulsionada por seus estudos, os quais demonstraram ser uma poderosa ferramenta de auto-conhecimento. Com isto, muito daqueles que estavam intrigados, preocupados ou apenas curiosos com as experiências oníricas que haviam vivenciado, passaram a recorrer a este recurso numa tentativa de amenizar sua ansiedade pelos mistérios nelas contidos.
E o resultado de tudo isto é bem interessante: crenças primitivas provavelmente levaram Freud a desenvolver um estudo científico. Um vez que seu excitante trabalho passou a ser desenvolvido em laboratórios ao redor do globo, muitos interessados passaram a voltar-se aos sistemas espirituais antigos. Basta entrarmos em qualquer livraria e certificarmo-nos da quantidade de livros existentes a respeito e que, ao mesmo tempo, não estão nas prateleiras de psicanálise.
Por mais de meio milênio, a mística judaica, a Cabalá, vem considerando que os sonhos ocupam uma importância central em nosso dia a dia. Basta abrirmos sua obra máxima, o Livro do Esplendor, o Zohar, datado por volta de 1290 e analisarmos a quantidade de informações sobre a estrutura dos sonhos. Aos estudiosos desta ciência esotérica, chamaremos, a partir de agora, cabalistas. Os primeiros cabalistas sempre acreditaram que o sono e os sonhos desempenham um papel vital em nossas vidas. Em nenhum momento condenaram o sono como perda de tempo e, muito pelo contrário, consideravam-no um contribuinte direto à nossa saúde física e mental. Para manter sua imagem humana como algo bonito e divino, os pensadores cabalistas sempre prezaram o sono como tendo um propósito espiritual crucial, ao lado de outras atividades física, tais como comer e beber. Através do sono, recuperamos nossas energias e abrimos nossas mentes a influências superiores, declara a Cabalá. Ao mesmo tempo, somos exortados a não negar-nos um descanso adequado, assim como somos avisados a não punir-nos com jejuns desnecessários ou outras formas de autoflagelação.
(continua)