Certa vez, irmãos gêmeos foram concebidos no útero. Segundos, minutos, horas se passaram enquanto aquelas minúsculas formas embrionárias de vida iam se desenvolvendo. A centelha de vida cresceu e cada pequenino cérebro começou a moldar-se. Com o desenvolvimento do cérebro veio o sentimento e, com o sentimento, a percepção – percepção do que estava à volta, do outro e de sua própria existência. Eles finalmente descobriram que a vida era boa e riram e se deleitaram em seus corações.
Disse o primeiro a seu irmão: “Somos muito afortunados por termos sido gerados e abençoados com este maravilhoso mundo.”
O outro concordou: “É verdade, graças à nossa mãe, quem nos deu vida e um ao outro.”
Cada um dos gêmeos continuou a crescer e logo seus braços, mãos, dedos e unhas foram se definindo. Totalmente formados, esticaram seus corpos e começaram a explorar seu pequeno mundo. Analisaram cada centímetro até que encontraram o cordão umbilical, que lhes garantia a vida través do sangue materno. Felizes com a descoberta, entoaram uma canção: “Quão grande e belo é o amor de nossa mãe, pois ela divide tudo o que tem conosco!”
As semanas tornaram-se meses e, com o surgimento de cada novo mês, passaram a notar mudanças um no outro e em si mesmos.
- “ Estamos mudando”, disse um. “O que quer dizer?”
- “Significa”, disse o outro, “que nós estamos perto de nascer.”
Um frio tomou conta de suas almas. Eles temiam nascer, pois isto significava abandonar seu confortável universo.
Disse o mais temeroso: “Por mim, viveria aqui para sempre.”
- “Mas precisamos nascer!”, exclamou seu irmão. “É o que acontece com todos.”
De fato, havia evidências dentro do útero de que a mãe já havia carregado vida antes deles. “E eu acredito que há vida após o nascimento, você não?” – acrescentou.
- “Como pode haver vida após o nascimento?”, começou a chorar o assustado feto. “Acaso não vão cortar nosso cordão de vida quando nascermos? E você por acaso já conversou com alguém que nasceu? Alguma vez alguém reentrou no útero para descrever como é nascer? NÃO!” Enquanto falava, entrou em desespero e sussurrou: “Se o propósito de nossa concepção e crescimento dentro do útero é terminar nascendo, então nossa vida não tem sentido.” Agarrando com toda força seu precioso cordão umbilical e apertando-o contra seu peito, disse mais: “E se realmente for assim, então a vida é um absurdo e não existem verdadeiras mães!”
- “Mas há uma mãe”, protestou o outro. “Quem mais nos alimentou? Quem mais criou este mundo para nós?”
- “Recebemos nossos nutrientes deste cordão e nosso mundo sempre foi este. E se há uma mãe, onde ela está? Você já a viu alguma vez? Ela já conversou com você? Não! Nós inventamos nossa mãe quando éramos jovens porque isso satisfazia uma necessidade nossa. Acreditar nela fez com que nos sentíssemos seguros e felizes.”, afirmou o incrédulo.
Assim, enquanto um entrava em total desespero, o outro preparava-se para o inevitável futuro, depositando sua confiança nas mãos de sua mãe. As horas converteram-se em dias e os dias em semanas. Chegou o momento. Ambos sabiam que o nascimento estava em suas mãos, mas temiam o desconhecido. Entregaram-se a seu destino. Choraram quando foram trazidos à luz. Tiveram uma estranha sensação e absorveram o ar seco de uma sala fechada e iluminada.. Quando estavam certos de que realmente haviam nascido, abriram seus olhos, vendo a vida após o nascimento pela primeira vez. O que viram? Os lindos olhos de sua mãe enquanto eram acariciados em seus braços. Eles estavam em casa.
Nascemos para morrer e morremos para nascer. Precisamos nascer e acreditar na luz e ternura que nos esperam em nossa próxima etapa da vida. Dizer ‘lechaim” (à vida) ao final da Shiv’á (período inicial do luto judaico) não é apenas valer-se de um slogan milenar: é, antes de mais nada, uma convicção! Cabe-nos aceitar nosso destino, depositando nossa confiança nas sábias palavras de Jó (1:21): “D-us deu, D-us tomou. Seja o nome do Eterno abençoado”, pois é Ele quem está a nos “acariciar” quando ultrapassamos a barreira de nossa existência material. E eu acredito que há vida após o “nascimento” – um dos alicerces de nossa fé.
Que este conto possa ajudar a consolar e confortar aqueles que tanto precisam. Amén.
Prof. Sami Goldstein
Rabino da Comunidade Israelita do Paraná