... a cidade que vivia cheia de povo! Com este suspiro, Jeremias inicia suas Lamentações, lidas anualmente no dia de Tishá Beáv. Testemunha da queda da Cidade Santa, presenciou a mais triste das visões: Jerusalém fora reduzida a pó; o Templo ardia em chamas; os cadáveres e pedras formavam o horrendo cenário de um cemitério a céu aberto; sobreviventes banidos e condenados ao exílio. Na minha opinião, o profeta poderia ter melhor descrito seu testemunho com palavras mais fortes como “devastada”, “desolada”, “destruída” ou “arrasada” e sentiríamos mais intensamente o ocorrido. No entanto, optou por descrevê-la como “solitária”. Por quê? Talvez a solidão seja a maior maldição que tenha recaído sobre Jerusalém; e a pior ao ser humano.
Conta-se a história sobre uma pessoa que havia sido muito ativa na comunidade durante décadas. Assíduo freqüentador da sinagoga, não perdia sequer uma reza. Amigos? Todos os conheciam e com todos se dava. Nunca recusou-se a contribuir e sua casa estava sempre aberta a visitantes. Entretanto, com o passar do tempo começou a isolar-se. Achou que já era hora de a juventude assumir a liderança; a sinagoga continuaria seus Serviços sem sua presença; os amigos já não mais tinham importância. E assim, o homem passou a viver uma vida solitária.
Certo dia do tenebroso inverno russo, o rabino, durante o Serviço Religioso, interrompeu suas orações e saiu da sinagoga. Os presentes ficaram atordoados. “O que estará acontecendo” – pensavam. Seguindo de longe, acompanharam o rabino e viram-no entrar na casa daquele homem. Espremendo-se por entre as frestas das janelas, presenciaram uma cena interessante: o judeu estava confortavelmente sentado em seu sofá, coberto por um lindo manto, diante de uma radiante lareira. O rabino não pronunciou sequer uma palavra. Dirigindo-se à lareira com uma barra de ferro, afastou um pequeno pedaço de carvão, deixando-o de lado. Longe do fogo da união, ele imediatamente se apagou. O rabino desejou-lhe um bom dia e voltou à sinagoga. Desde aquele dia, o homem não faltou mais à sinagoga, voltou às atividades comunitárias e novamente podia ser visto com seus amigos.
“E disse o Eterno D-us: ‘não é bom que esteja o homem só’” (Gênesis 2:18). A solidão e o isolamento são veementemente condenados pela Torá. Entretanto, o que vemos hoje é justamente o contrário, principalmente aqui no Brasil. Segundo o levantamento mais recente do IBGE, 4 milhões de brasileiros moram sozinhos, o que representa 9% dos domicílios do país. A quantidade é pequena se comparada a outros países com Inglaterra e França, mas viver só é uma tendência mundial. Quais seriam os motivos para isso?
Claro, existem os óbvios: um caso de divórcio, compromissos profissionais, etc. Mas, prefiro apontar um problema ainda maior: o progresso material, científico e tecnológico que vivenciamos induz-nos a acreditar na falsa imagem de que a auto-realização se dá mais rápida e energicamente através do individualismo. Sim, tornamo-nos individualistas. Até mesmo acompanhados, seja em nossos núcleos familiares ou sociais, a relação reter versus ceder não é muito clara. Gostamos de ser como o oceano que se agiganta por receber as águas dos rios mas não como a terra que empobrece por dar e gerar vida. Não mais sabemos abdicar para ganhar; dividir para multiplicar. Preocupamo-nos em incutir nas frias máquinas uma inteligência humana ao mesmo tempo que injetamos em nossas veias a frieza mecânica. Sim, nossas relações passaram de humanas para mecânicas. Habitamos metrópoles ou megalópoles; saímos às ruas e encontramo-nos com milhões de pessoas, mas sentimo-no sós. Sós como lamentava o Rai David: “sou semelhante ao pelicano no deserto; chego a ser como a coruja das ruínas... tornei-me como um passarinho solitário no telhado” (Salmos 102:6-7).
A solidão pode levar a que a pessoa forme uma imagem negativa de si própria e julgue que ninguém a aprecia. Segundo estudos médicos, a falta de um parceiro contribui para debilitar a saúde, além das estatísticas que confirmam que solteiros e divorciados têm mais possibilidade de cometer suicídio e são vítimas mais freqüentes de depressão, diabetes, câncer de fígado e pulmão. Enfim, a brasa se apaga e o carvão perde sua vida.
Será que não estamos nos sentindo únicos no mundo? Será que não perdemos os horizontes de nossas relações, principalmente entre os jovens, os quais não vêem a luz no fim do túnel de uma relação estável e duradoura?
A solidão poder ser uma ação, opção, condição. Ação quando somos compelidos a uma vida solitária por motivos externos, como trabalho. Opção, quando decidimos aventurar-nos ou passar por uma nova experiência. Entretanto, em ambos os casos, o verbo empregado é “morar” só. É o ideal? Com certeza não, mas nestes as relações não são interrompidas ou abruptamente cortadas. O veneno reside na solidão enquanto condição: a pessoa se sente só, a pessoa é só. O verbo é “ser”. Neste caso, mesmo dentro do convívio social, mesmo com a casa cheia, isolamo-nos e fechamo-nos ao mundo.
Amigo, a solidão é a maior maldição, por isso Jeremias a utilizou para descrever a destruição. Pois ela nos destrói por dentro. Pedras podem ser reerguidas, mas corações dilacerados exigem um esforço infinitamente maior. Busquemos a união. Reacendamos nossas lareiras e aqueçamo-nos com o calor de nossas almas. Pois não é bom que o homem viva só...
Conta-se a história sobre uma pessoa que havia sido muito ativa na comunidade durante décadas. Assíduo freqüentador da sinagoga, não perdia sequer uma reza. Amigos? Todos os conheciam e com todos se dava. Nunca recusou-se a contribuir e sua casa estava sempre aberta a visitantes. Entretanto, com o passar do tempo começou a isolar-se. Achou que já era hora de a juventude assumir a liderança; a sinagoga continuaria seus Serviços sem sua presença; os amigos já não mais tinham importância. E assim, o homem passou a viver uma vida solitária.
Certo dia do tenebroso inverno russo, o rabino, durante o Serviço Religioso, interrompeu suas orações e saiu da sinagoga. Os presentes ficaram atordoados. “O que estará acontecendo” – pensavam. Seguindo de longe, acompanharam o rabino e viram-no entrar na casa daquele homem. Espremendo-se por entre as frestas das janelas, presenciaram uma cena interessante: o judeu estava confortavelmente sentado em seu sofá, coberto por um lindo manto, diante de uma radiante lareira. O rabino não pronunciou sequer uma palavra. Dirigindo-se à lareira com uma barra de ferro, afastou um pequeno pedaço de carvão, deixando-o de lado. Longe do fogo da união, ele imediatamente se apagou. O rabino desejou-lhe um bom dia e voltou à sinagoga. Desde aquele dia, o homem não faltou mais à sinagoga, voltou às atividades comunitárias e novamente podia ser visto com seus amigos.
“E disse o Eterno D-us: ‘não é bom que esteja o homem só’” (Gênesis 2:18). A solidão e o isolamento são veementemente condenados pela Torá. Entretanto, o que vemos hoje é justamente o contrário, principalmente aqui no Brasil. Segundo o levantamento mais recente do IBGE, 4 milhões de brasileiros moram sozinhos, o que representa 9% dos domicílios do país. A quantidade é pequena se comparada a outros países com Inglaterra e França, mas viver só é uma tendência mundial. Quais seriam os motivos para isso?
Claro, existem os óbvios: um caso de divórcio, compromissos profissionais, etc. Mas, prefiro apontar um problema ainda maior: o progresso material, científico e tecnológico que vivenciamos induz-nos a acreditar na falsa imagem de que a auto-realização se dá mais rápida e energicamente através do individualismo. Sim, tornamo-nos individualistas. Até mesmo acompanhados, seja em nossos núcleos familiares ou sociais, a relação reter versus ceder não é muito clara. Gostamos de ser como o oceano que se agiganta por receber as águas dos rios mas não como a terra que empobrece por dar e gerar vida. Não mais sabemos abdicar para ganhar; dividir para multiplicar. Preocupamo-nos em incutir nas frias máquinas uma inteligência humana ao mesmo tempo que injetamos em nossas veias a frieza mecânica. Sim, nossas relações passaram de humanas para mecânicas. Habitamos metrópoles ou megalópoles; saímos às ruas e encontramo-nos com milhões de pessoas, mas sentimo-no sós. Sós como lamentava o Rai David: “sou semelhante ao pelicano no deserto; chego a ser como a coruja das ruínas... tornei-me como um passarinho solitário no telhado” (Salmos 102:6-7).
A solidão pode levar a que a pessoa forme uma imagem negativa de si própria e julgue que ninguém a aprecia. Segundo estudos médicos, a falta de um parceiro contribui para debilitar a saúde, além das estatísticas que confirmam que solteiros e divorciados têm mais possibilidade de cometer suicídio e são vítimas mais freqüentes de depressão, diabetes, câncer de fígado e pulmão. Enfim, a brasa se apaga e o carvão perde sua vida.
Será que não estamos nos sentindo únicos no mundo? Será que não perdemos os horizontes de nossas relações, principalmente entre os jovens, os quais não vêem a luz no fim do túnel de uma relação estável e duradoura?
A solidão poder ser uma ação, opção, condição. Ação quando somos compelidos a uma vida solitária por motivos externos, como trabalho. Opção, quando decidimos aventurar-nos ou passar por uma nova experiência. Entretanto, em ambos os casos, o verbo empregado é “morar” só. É o ideal? Com certeza não, mas nestes as relações não são interrompidas ou abruptamente cortadas. O veneno reside na solidão enquanto condição: a pessoa se sente só, a pessoa é só. O verbo é “ser”. Neste caso, mesmo dentro do convívio social, mesmo com a casa cheia, isolamo-nos e fechamo-nos ao mundo.
Amigo, a solidão é a maior maldição, por isso Jeremias a utilizou para descrever a destruição. Pois ela nos destrói por dentro. Pedras podem ser reerguidas, mas corações dilacerados exigem um esforço infinitamente maior. Busquemos a união. Reacendamos nossas lareiras e aqueçamo-nos com o calor de nossas almas. Pois não é bom que o homem viva só...
Prof. Sami Goldstein
Rabino da Comunidade Israelita do Paraná